domingo, 16 de outubro de 2011

Pesquisa aponta que jovens e adultos não alfabetizados tem a leitura e a escrita de cartas como parte de seu cotidiano.


Percebe-se que mesmo não ainda alfabetizados jovens e adultos têm em seu cotidiano a leitura e a escrita de cartas. Jovens e adultos que viviam na Zona Rural de Minas Gerais e Bahia escreviam e liam cartas para os que não eram alfabetizados. As cartas nessa região seria a principal forma de comunicação que possuíam e, portanto aprender a ler e a escrever é uma necessidade que esse público possuía. Pelas cartas escritas por eles se podia notar o contexto social em que viviam. Os jovens e adultos que não são alfabetizados acabam não sendo reconhecidos pela sociedade mesmo sendo trabalhadores, produtores de conhecimento e cultura.  
Professores que tiveram a experiência de trabalhar com a alfabetização de jovens e adultos relatam que eles refletiam sobre a produção escrita desse grupo, bem como reflexões sobre o mundo e sobre eles próprios. “Saberes de experiência feitos” (Freire, 1994), que na maioria das vezes são descartados.
Neste trabalho foi observado como esse público se comporta como sujeito-autor e é notória a carta como parte do cotidiano desses sujeitos e diante disso foi possível observar como era o processo de aprendizagem da linguagem escrita.
Foi também posto em pauta como se caracteriza a autoria de jovens e adultos, em processo de aprendizagem da linguagem escrita na produção de textos, usando como recurso a produção de cartas no espaço escolar. Tendo como resultado esperado práticas sociais e de escrita um sujeito letrado, por meio do uso social da escrita que jovens e adultos realizam em suas práticas cotidianas. 
Foram analisadas 51 cartas de jovens e adultos, originários ou residentes em municípios dos estados do Acre, Amazonas, Amapá, Rondônia e Roraima, com idade entre 20 e 69 anos, de condição socioeconômica modesta avaliada em função da ocupação ou da profissão, sendo a maioria donas de casa e trabalhadores rurais que se encontravam em processo de aprendizagem da linguagem escrita no ensino fundamental do Projeto SESC LER. As cartas, de cunho informativo, foram para as coordenadorias do Projeto e doadas à pesquisadora, no período de 1999 a 2002, sendo 47 individuais escritas por 31 mulheres e 16 homens, e 4 coletivas escritas por um educando com maior habilidade na escrita, contendo as assinaturas apostas de 32 mulheres e 16 homens.
A fundamentação teórica se baseou nas pesquisas realizadas no âmbito da educação de pessoas jovens e adultas relativas à aprendizagem da linguagem escrita. As analises dos textos foram classificadas como: 1) Processo de aquisição de escrita/desenvolvimento cognitivo; 2) Produção de texto; 3) Aquisição de leitura e de escrita: funcionamento ou uso da linguagem no cotidiano, além de outros estudos incorporados a relação pela pesquisadora. Foi observada nas produções a existência de duas perspectivas e é mantida a dicotomia entre a oralidade e a escrita, que ratificam a relação entre a aquisição da escrita e o desenvolvimento cognitivo.
Nos estudos são notórias as práticas discursivas em que a alfabetização, escolarização e letramento, confundem e negão questões sócio históricas da aprendizagem da leitura e da escrita que as pesquisas contribuem apenas para fortificar o predomínio grafocêntrico da escrita que negam os aspectos políticos do letramento e centram-se em parâmetros da escrita para a analise em que se julgam os jovens e adultos se são alfabetizados ou não independente da escolarização. Existe outra perspectiva que busca incluir a autonomia que visa compreender as práticas sociais de uso da escrita no âmbito dos contextos sociais, políticos e culturais em que são produzidas.
A pesquisa está inserida na perspectiva que busca enfrentar o desafio de compreender aspectos da aprendizagem da linguagem escrita de jovens e adultos, tendo como referência as práticas sociais de uso da escrita produzidas em contextos específicos, por sujeitos escolarizados ou não, tendo como horizonte os processos educativos e as formas de conhecimento são desigualmente distribuídas e que acabam por reproduzir a própria desigualdade.  Esta teve como procedimento metodológico a captura e a coleta da vida dos sujeitos da pesquisa, para este estudo foi utilizado como base o “paradigma indiciário”, que se preocupa dentre outras coisas, com a definição de princípios metodológicos que garantam rigor as investigações centradas no detalhe e nas manifestações de singularidade.
O material foi analisado tendo como base dois eixos:
I)             Marcas referentes ao gênero do discurso da carta descritas como marcas textuais ou marcas sócio históricas;
II)            Marcas próprias do discurso e da singularidade dos sujeitos caracterizados como marcas discursivas ou de singularidade do sujeito.
Compreendemos como marcas textuais ou marcas sócio históricas, aquelas que sugerem transformações e mudanças que a língua e a linguagem sofre/sofreram ao longo do tempo e do espaço, assim como a transmutação que sofrem/sofreram os gêneros do discurso (Bakhtin, 2000), tais como: a  autoria, o envelope, o suporte (papel), o lugar de onde é escrita, o vocativo, o cerimonial epistolar, o gênero e o vocabulário.
Em relação às marcas discursivas ou marcas da singularidade do sujeito consideramos aquelas referentes às marcas da relação autor/outro, caracterizando a intersubjetividade e a alteridade, postulando que o sentido do texto é produzido na relação entre sujeitos; e as marcas de polifonia, como as diversas vozes que emergem do texto na constituição desse sujeito e de sua linguagem. Compreendemos, assim, que o sujeito autor imprime suas marcas na linguagem, assim como a linguagem desse sujeito está repleta das marcas das vozes do outro. Essas marcas foram descritas como afetividade, religiosidade, identidade, relação autor/outro, escola e vivencia escolar, ambiente escolar, pregressos e dificuldades em relação a aprendizagem da linguagem escrita, questões sociais e representação social da linguagem e da escola.
Um dos resultados observados da pesquisa foi que na produção das cartas os jovens e adultos que não sabiam efetivamente ler e escrever buscava, por meio da apreensão da linguagem escrita, imprimir suas marcas no mundo, escrevendo suas próprias histórias, legitimando suas autorias. A estética das cartas também foi, observadas, analisadas, como por exemplo, o tipo de envelope utilizado, o papel em que a carta foi escrita, decorações utilizadas, diversas cores e tipos de canetas, o preenchimento também era diverso e também foi observada a forma como se dirigia ao outro.
A pesquisa foi de extrema relevância e importância para um maior conhecimento da alfabetização de jovens e adultos, permitindo articular o método para que se possa chegar à alfabetização desde sujeito sem descartar o seu conhecimento prévio e utilizando elementos de seu cotidiano. Coube ao professor reconhecer os saberes que são fundamentais e ele também provocou, instigou e possibilitou que o aluno vivenciasse um processo de reflexão.

Resenha do texto: - CARTAS DE JOVENS E ADULTOS EM PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA: AUTORIA E LETRAMENTO
Autor - SOUZA, Marta Lima de.

Nenhum comentário:

Postar um comentário